O Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2024, elaborado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta que a agricultura familiar responde por 67% das ocupações no campo, 23% do valor bruto da produção agropecuária nacional e representa uma das maiores diversidades produtivas do planeta. A agricultura familiar está fortemente concentrada em pequenas propriedades, especialmente abaixo de 50 hectares (ha), sendo que 53% da área está em sítios com menos de 10 ha e 35% entre 10 e 50 ha.
Em pequenas propriedades, muitas com menos de 10 hectares, onde o trator ainda é raro, tecnologias digitais surgem como alternativa viável para aumentar a produtividade, otimizar recursos e garantir sustentabilidade no campo. Essa transformação é urgente: segundo o Censo Agropecuário de 2017, apenas 14,5% dos estabelecimentos da agricultura familiar possuem algum tipo de trator. No Nordeste, esse número cai para 2,3%.
Tendo em vista a mecanização limitada, o Plano Nova Indústria Brasil, lançado em 2024, traçou uma meta ambiciosa: atingir 70% de mecanização na agricultura familiar até 2033. O plano também aposta na ampliação do mercado de máquinas menores e de custo mais acessível para este público. Mas, segundo especialistas, não basta apenas levar máquinas ao campo é necessário ensinar a usá-las com inteligência.
“O plano só será eficaz se for combinado ao conhecimento sobre tecnologias digitais adaptáveis a diferentes cenários agrícolas. Não adianta ter o equipamento ou o maquinário e não saber operá-lo ou subutilizá-lo, pois acaba virando uma grande despesa imediata sem retorno financeiro efetivo”, destaca Maria Fernanda Lopes de Freitas, professora do curso de Gestão Integrada de Agronegócios, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
A chave, segundo a professora, está na democratização e descentralização da tecnologia. Enquanto políticas públicas focam na compra de máquinas, nos concentramos no uso de equipamentos mais acessíveis, como sensores e softwares para otimizar insumos, monitorar pragas e tomar decisões mais precisas. Um único drone, por exemplo, pode monitorar múltiplas propriedades, viabilizando economicamente seu uso coletivo, destaca Maria Fernanda.
A professora frisa que com equipamento adequado e apoio técnico, é possível adaptar ferramentas para aumentar a produtividade e reduzir perdas em qualquer propriedade, inclusive as com baixa mecanização. Segundo ela, pesquisas vêm mostrando que sensores de baixo custo combinados às plataformas de gestão via celular são capazes de reduzir perdas em até 25%, mesmo em propriedades com poucos recursos.
“A tecnologia digital compensa a escassez de máquinas e também aumenta a eficiência do trabalho manual nas propriedades rurais. Desde a agricultura de precisão, que iniciou o uso de tecnologias como sensores e softwares, até a agricultura digital, que potencializou a geração e o uso dos dados com a inteligência artificial, internet das coisas, automação, robótica, big data, criptografia e blockchain, a produção de alimentos e energia vem se transformando”, assinala.
A revolução digital no campo, porém, não se limita à produtividade. “Tecnologia também é gestão financeira, rastreabilidade, acesso a novos mercados e redução de perdas”, aponta a docente. Em propriedades nas quais o manejo do solo e a rotação de culturas já são tecnologias acessíveis, o uso de plataformas digitais potencializa os ganhos e reduz os impactos ambientais.
Interesse na tecnologia
Segundo levantamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realizado em 2020, mais de 65% dos agricultores familiares demonstraram interesse em apps para gestão e diagnóstico de lavouras. As maiores apostas envolvem detecção de deficiências nutricionais (35%), doenças (33%), pragas (32%) e também o mapeamento do uso do solo (21%). “A melhor tecnologia é aquela que cabe no bolso e a que melhor se adapta à propriedade do(a) agricultor(a)”, explica a professora.
Para viabilizar economicamente essas soluções, a especialista defende estratégias como cooperativas para aquisição compartilhada de drones – para mapeamento de áreas e otimização de insumos -, contratação de serviços sob demanda, acesso a linhas de crédito específicas e parcerias com universidades e instituições de extensão rural. “Tecnologia não é só máquina. É conhecimento aplicado. É criar soluções para que o agricultor familiar não fique para trás na transição digital que já está em curso”, conclui Maria Fernanda.