Que o ser humano precisa de rituais para marcar sua história todos sabemos. Tanto na família como na vida em sociedade, as cerimônias marcam nossa passagem pelo mundo, desde o nascimento. Em geral, a tradição oral, os livros e os registros jornalísticos nos contam como os costumes evoluem. O que a pandemia nos trouxe de surpreendente é assistir em tempo real e em alta velocidade a mudança de alguns hábitos quase seculares. Entre eles, os novos rituais que cercam o luto.
Impedidos de se despedir como era normal, distanciados para evitar a propagação do vírus da Covid-19, parentes e amigos inventam outras formas de dizer adeus, consolar-se e seguir em frente. Muitos comportamentos que antes pareceriam ofensivos, hoje são vistos com naturalidade, lembra a psicóloga Paula Leverone, sócia fundadora do Instituto Trilhar de Psicologia, que é especializado na abordagem terapêutica do luto.
Entre essas novas manifestações, a tecnologia ganha espaço com as lives em homenagem a quem partiu, durante as quais as pessoas próximas conversam, cantam e fazem orações. As carreatas tomam o lugar dos cortejos a pé, do velório e da presença no sepultamento. “O velório tem uma enorme carga simbólica e emocional. Permite que o enlutado se conecte com sua dor, ajudando a concretizar e absorver o que aconteceu, em um ambiente onde é permitido expressar os sentimentos e receber apoio de amigos e familiares. Esse apoio e a possibilidade de compartilhar o momento, receber abraços, palavras de conforto daqueles que amamos, faz com que não nos sintamos sozinhos diante da dor. A falta ou as restrições dos rituais de despedida, da forma que estamos vivenciando hoje na pandemia, podem ser complicadores para o luto saudável”, explica Paula.
A morte de alguém próximo também tem um peso maior para os familiares que precisam lidar com decisões importantes e com a burocracia envolvida. “Esse é um momento doloroso por natureza e que ganhou uma carga ainda maior. A escolha de urna funerária, decisões sobre sepultar ou cremar, a ausência da família na despedida final…tudo isso pesa muito sobre os ombros da pessoa responsável”, diz Luis Henrique Kuminek, diretor da Luto Curitiba, empresa de plano funerário que atende cerca de 20 mil famílias. “Esse período tem nos ensinado muito a humanizar ainda mais nossos procedimentos.”
O que fazer para enfrentar o luto
Mas como se pode agir para lidar com o luto da maneira mais saudável possível? “É importante pensar naquilo que faz sentido para você e criar o seu próprio ritual com os significados e simbolismos que representem o seu vínculo e a sua perda”, aconselha Paula – que além de vários cursos sobre o tema, foi psicóloga voluntária no atendimento de familiares de vítimas do incêndio da Boate Kiss, da cidade gaúcha de Santa Maria.
Ela preparou uma lista com 9 ideias que podem ajudar. Veja a seguir:
1- Escrever e compartilhar com familiares ou em rede social
2- Escrever para o ente querido falecido
3- Criar um diário de sentimentos
4- Organizar álbuns ou vídeos de recordações
5- Criar um altar ou memorial em casa
6- Fazer desenhos, pinturas
7- Construir um caixa de memórias para guardar os pertences significativos do ente querido falecido
8- Pensar em uma cerimônia para depois da pandemia ou algo possível de ser feito durante a pandemia
9- Prestar uma homenagem em plataformas e meios de comunicação que surgiram durante a pandemia com o objetivo de honrar e prestigiar entes queridos falecidos, como por exemplo a Plataforma Inumeráveis (memorial dedicado ao relato de histórias de pessoas que morreram em decorrência da Covid-19)
Novos rituais para ajudar alguém
E o que fazer quando alguém perde alguém? Essa é uma pergunta frequente e muitos paralisam diante de uma situação de perda e luto de um conhecido, amigo ou familiar. Existem muitas possibilidades, ações e alternativas para oferecer apoio, ajuda e acolhimento mesmo diante das restrições da pandemia. Confira seis sugestões:
1- Carreata em velórios ou na frente da casa
2- Enviar uma mensagem sincera ou um cartão
3- Enviar refeições ou outras formas de ajuda e cuidado (compras, ajuda com animais, burocracias, fazer um doce, flores…)
4- Participar de grupos de oração
5- Demonstrações de proximidade para confortar o outro. Ofertar carinho, amor e ajudas práticas
6- Manter-se presente