O número de assassinatos relacionados à transfobia é maior no Brasil em comparação a outros países. Desde 2008, foram contabilizados 1374 crimes em que as vítimas eram trans, sendo que 539 deles acontecerem em solo brasileiro. Enquanto a expectativa de vida de travestis e transexuais é de 73 anos na população mundial, no Brasil, não passa de 36 anos.
As estatísticas refletem bem o comportamento dos brasileiros no quesito preconceito. Além dos negros, o público LGBTQI+ também é alvo de ofensas e exclusão. A polêmica criada em torno da campanha da Natura para o Dia dos Pais, totalmente inclusiva ao mostrar famílias plurais, e que traz pessoas reais como protagonistas, demonstra que a sociedade brasileira ainda precisa evoluir bastante para acabar com os estigmas, agressões gratuitas, violências e mortes causadas pelo ódio.
Thammy Miranda, o filho da cantora Gretchen, é um dos pais na campanha inclusiva da Natura. Os comerciais trazem ainda pai negro, o que demonstra o respeito a todas as raças, sem distinção. A atitude da marca é nobre e evidencia que todos aqueles que mantém um vínculo afetivo com os filhos, merecem ser homenageados. Os laços de amor, nesse caso, valem mais que o papel de parte de alguns pais biológicos, que não assumem sua função e vivem completamente distantes e alheios às crianças que ajudaram a colocar no mundo.
Na opinião da psiquiatra Alessandra Diehl, especialista em sexualisade, a mensagem da Natura, positiva, afirmativa e acolhedora a todos os pais, de sangue ou de coração, foi considerada agressiva por parte dos brasileiros que ainda não se libertaram do preconceito. “Esse é mais um exemplo que demonstra o comportamento violento da nossa sociedade, contra o público LGBTQAI+. No tribunal virtual, os inquisidores estão linchando Thammy Miranda em praça pública, simplesmente por ele estar exercendo seu papel de pai”, diz Alessandra.
Na opinião dela, a polêmica é desnecessária, já que a homenagem aos diversos pais é legítima e não provoca qualquer tipo de constrangimento. “Ao contrário, essas pessoas deveriam ser reverenciadas nessa data, porque transformam o mundo num lugar melhor à medida que dedicam seu amor e afeto na criação de uma criança, que precisa sentir esse carinho para se desenvolver bem e se tornar um adulto feliz, com caráter e honestidade. Os pais biológicos que não assumem a paternidade, seja no registro de nascimento, no pagamento da pensão e na construção de vínculos amoroso e familiar, é que que devem ser alvo das críticas, desde que sejam construtivas”, pontua a psiquiatra.
Esse tema é bem atual e será debatido num encontro online no próximo dia 4 de agosto, às 19h30, no Zoom (ID 810 0666 0250). O debate “Preconceito e Saúde Mental” reúne um time de peso, formado inclusive por indivíduos que sofreram na pele os pré-julgamentos e as antipatias em razão da orientação sexual e a identidade de gênero. Ao lado do cantor, compositor e dançarino Ney Matogrosso, a psiquiatra londrinense Alessandra Diehl, e a coordenadora do projeto Akuenda, Samy Fortes, que é mulher trans e se tornou um ícone da bandeira da diversidade, vão falar sobre a intolerância e como isso afeta a saúde das pessoas. Os três debatedores e serão mediados pelo psiquiatra Gabriel Landsberg.
O objetivo do evento é justamente conscientizar nossa sociedade de que é preciso acabar com os estigmas que envolvem a identidade de gênero e a orientação sexual no Brasil. “O mundo mudou, as famílias mudaram e são plurais e não há nada de errado nisso. A controvérsia causada pela campanha da Natura apenas enaltece a importância da realização de fóruns de debates, com a finalidade de mostrar para nossa sociedade que todas as pessoas merecem ser tratadas com o mesmo respeito. O órgão genital, por exemplo, não é relevante na definição da figura paterna. Hoje vemos famílias formadas por dois pais ou duas mães, além de pais e mães que são “pães” e que criam seus filhos sozinhos. O que importa é apenas o amor que os filhos recebem. O sentimento de rejeição por parte de um membro da família é que o errado e deveria ser incomum. Pais e mães que cumprem seu papel social devem ser valorizados independente do gênero e da orientação sexual. Palavras de ódio contra pais como Thammy são repugnantes e não podem ser admitidas”, salienta Alessandra Diehl.
Corrente da psicologia explica comportamento de ódio
Para a psicologia, a formação reativa é um mecanismo de defesa e acontece quando alguém experimenta um desejo instintivo ou inconsciente, que rejeita. Isso o leva a desenvolver um impulso oposto ao que ele rejeita. “Em outras palavras, as ofensas são proferidas por aqueles que não conseguem assumir quem realmente são”, esclarece a psiquiatra.
Ela acrescenta ainda que o acolhimento dos pais é muito importante para que os filhos possam aceitar e admitir sua própria identidade de gênero. “A cantora Gretchen é um exemplo a ser seguido. Ela entende e apoia o seu filho como ele é, inclusive o fato de formar uma verdadeira família, junto com sua esposa e filho. Ter um filho é uma vontade legítima e um direito de todos os casais, independente da orientação sexual e /ou identidade de gênero”, afirma Alessandra.
Para se ter uma ideia da importância do apoio dos pais em relação à orientação de gênero, os jovens LGBT que relataram alta rejeição familiar tiveram 8,4 vezes mais chances de tentar suicídio e 5,9 vezes mais chances de experimentar altos níveis de depressão.