No dia 26 de junho é celebrado o Dia Internacional de Combate às Drogas. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para intensificar ações de prevenção e combate ao narcotráfico no mundo. Sabemos que a dependência de drogas é um grave problema de saúde pública, com imensos prejuízos à saúde dos dependentes e dos familiares, além de um rombo nos cofres públicos.
“Os danos aos dependentes vão além da saúde: eles têm projetos interrompidos e inacabados e perdem anos de vida envolvidos com o uso de drogas. Sem falar nos agravos à família, que passam por longos períodos de instabilidade e insegurança quando dividem o teto com dependentes”, diz Alessandra Diehl, psiquiatra e vice-presidente da Associação Brasileira de Uso de Álcool e Outras Drogas (ABEAD).
A especialista salienta ainda que o caminho da recuperação é bem difícil, longo, tortuoso e, nem sempre, para todos. “É também importante lembrar que existe uma verdadeira legião de pessoas que conseguem se recuperar. Só nos Estados Unidos, alguns dados dão conta de que mais de 23 milhões de pessoas vivem hoje em recuperação de longo prazo”, informa Alessandra.
Ela alerta sobre a importância da prevenção primária: essa segue sendo a estratégia mais custo efetiva que conhecemos quando o assunto é o combate às drogas. Para cada dólar investido em prevenção é provável que sejam poupados sete dólares com gastos em tratamento segundo o National Institute on Drug Abuse. Ainda de acordo com a psiquiatra, a tendência dos programas atuais de prevenção é atuar de maneira multifatorial e multidimensional.
“Em outras palavras, é desejável que vários domínios da vida do indivíduo recebam a atenção preventiva. Os programas de prevenção devem ser planejados de modo a reforçar aspectos positivos, como atores de proteção da vida do indivíduo ou de uma determinada coletividade, e diminuir aspectos negativos, que são os fatores de risco, que possam vir a ser prejudiciais a ele e a toda a sociedade. Uma sociedade organizada poderá cobrar ações governamentais e não-governamentais que visem à disponibilização de serviços e políticas públicas que possam minimizar os riscos do uso de drogas”, acrescenta Alessandra Diehl.
Estratégias preventivas, na visão dos especialistas em dependência química, são aquelas que se dedicam à melhoria da qualidade de vida na comunidade, ao fortalecimento dos vínculos familiares e institucionais e à atenção à saúde física e emocional da população. Um estudo nacional constatou que apenas 42,5% das escolas avaliadas através dos 263 dirigentes escolares do município de São Paulo possuíam programa de prevenção ao uso de drogas. Observou-se no levantamento que, a cada ano de atuação do dirigente na educação, a chance de a escola ter um programa aumentava em aproximadamente 4%. O fato de experimentar técnicas de ensino inovadoras também aumentou em cerca de 6 vezes a chance de a escola desenvolver um programa de prevenção ao uso de drogas. As dificuldades na implantação dos programas foram mais presentes nas redes estadual e municipal, quando comparadas à rede privada, destacando-se: a falta de material didático, a falta de verba/orçamento e as demandas concorrentes para ensino de outras disciplinas.
Amedrontamento X Afeto
Alessandra Diehl defende que os modelos de prevenção baseados no amedrontamento visam fornecer informações que enfatizam as consequências negativas do uso de drogas de modo dramático. Para ela, a prevenção ao uso de substâncias nestes moldes tem pouca eficácia, pois muitas vezes o medo parece ser um argumento pouco convincente frente ao suposto prazer que o adolescente atribui às drogas.
Já o modelo da Educação baseada no conhecimento científico objetiva o fornecimento de informações sobre substâncias de modo imparcial e técnico tem mais chances de sucesso, principalmente quando é aliado ao modelo de educação afetiva. A partir destas informações os jovens podem tomar decisões críticas e bem fundamentadas sobre seu padrão de consumo.
A psiquiatra adverte também que informação em excesso e detalhista sobre os efeitos das diferentes drogas pode ter o efeito contrário do almejado, ou seja: despertar a curiosidade e, portanto, induzir à experimentação. “Lembramos que para prevenir o uso de substâncias é preciso informar os jovens, mas também abordar e discutir o prazer e os riscos que os jovens atribuem às drogas como uma forma de conscientizá-los e desmistificar algumas crenças e concepções acerca dos efeitos do seu uso”.
A metodologia da educação efetiva eficiente inclui oficinas e debates com profissionais de saúde; leitura de livros; discussão de filmes; entre outros. A linha da educação afetiva defende que jovens emocionalmente e psicologicamente saudáveis correm menos riscos de ter um uso problemático de substâncias. “Este modelo visa o desenvolvimento interpessoal dos jovens estimulando e valorizando a autoestima, a capacidade de lidar com a ansiedade, a habilidade de decidir e relacionar-se em grupo, a comunicação verbal e a capacidade de resistir às pressões de grupos”, enfatiza Alessandra Diehl.
Ela ressalta ainda que a prevenção não uma tarefa fácil, pois exige perseverança, e sobretudo, uma vasta gama de atores e personagens interagindo entre si a fim de diminuir os fatores de risco, aumentar os fatores de proteção em diferentes domínios e em vários modelos. “O uso de drogas e o comportamento humano são questões complexas que requerem enfoque holístico de modo contínuo em vários focos. No entanto, cada pequena conquista significa muito na aquisição e na proteção de crianças, adolescentes e adultos jovens”, finaliza.
Crianças e adolescentes apresentam olhar pessimista sobre as drogas
O psicólogo Rogério Bosso e a psiquiatra Alessandra Diehl resolveram tratar desse assunto delicado junto às crianças e adolescentes para saber o que elas pensam acerca das substâncias ilícitas. Com a autorização dos pais, brasileirinhos entre 6 a 14 anos de idade responderam à pergunta: “o que é droga?” e, posteriormente, representaram a sua resposta em forma de desenho (o resultado vocês encontram na ilustração dessa matéria).
Rogério Bosso conta que, de forma geral, todos os participantes deixaram claro em suas respostas que ao falar de drogas, estão se referindo a coisas ruins e que trazem consequências danosas desde aprisionamento, isolamento social, violência e morte. “A representação do humor estampado no rosto das pessoas contidas nos desenhos, foram de tristeza e choro. Uma das imagens que mais chamou nossa atenção e deveria ficar de alerta para a população, pois foi realizado um desenho onde a representatividade da droga como algo comum e de fácil acesso ficou evidente, como se não existisse a questão ilícita das drogas”, diz Bosso.
O psicólogo argumenta que as drogas causam danos irreversíveis na população adulta, mas é muito pior quando falamos do uso de substâncias por crianças e adolescentes. “Eles ainda não possuem um cérebro totalmente formado, estão em processo de desenvolvimento e maturação desse importante órgão. Evidências nos estudos da neurociência apresentam informações que as partes mais primitivas do cérebro, aquelas ligadas ao prazer, ou seja, as estruturas acessadas quando o indivíduo se encontra em uso de drogas, se desenvolvem primeiro e apenas posteriormente é que se desenvolve as partes que vão ter o controle dos impulsos e atuar de forma inibitória sobre a área do prazer, que é a parte mais sofisticado do cérebro, a frontal ou córtex pré-frontal”, justifica Bosso.
Ele explica ainda que realizar planejamentos ou escolhas que são mais complexas, como avaliar prejuízos a longo prazo fica por conta da área pré-frontal. Essa falta de estrutura cerebral desenvolvida é a responsável pelo imediatismo presente nos adolescentes, bem como na dificuldade de controlar seus impulsos. “Por esse motivo, é de extrema importância que os responsáveis por crianças e adolescentes tenham condições de orientá-las e para adquirir essa condição, é necessário que exista uma interação no assunto e buscas por materiais que trazem informações verdadeiras sobre o uso das drogas, suas manifestações no organismo e as possíveis consequências, que incluem o desenvolvimento de transtornos mentais graves e persistentes como a esquizofrenia”, finaliza Bosso.