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Estupro no Brasil também é questão de gênero, diz psiquiatra

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A violência sexual é um problema de saúde pública no mundo todo e, no Brasil, a incidência de estupros é alarmante. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizada em 2015, estima que naquele ano cerca de 45.460 pessoas foram estupradas. Esses números representam um caso de violência social a cada 11 minutos. Ou seja: ocorrem no país cinco estupros por hora.  

Além disso, as estatísticas sobre esse crime no Brasil indicam que as mulheres são as principais vítimas. O relatório anual de Apoio a Vítima (APAV), de 2017, apontou que 87% das pessoas que foram estupradas eram do sexo feminino. No entanto, os pesquisadores da área acreditam que os números apurados pelas pesquisas ainda não revelam a realidade.

“Os estudos científicos sobre o problema são em geral baseados na aplicação da lei e em registros médicos, no entanto, acredita-se que apenas 35% das pessoas que foram estupradas denunciem esse crime junto às autoridades competentes”, afirma Alessandra Diehl, psiquiatra especialista em sexualidade. Ela lidera um grupo de pesquisadores, formado por Sandra Cristina Pillon, Clarice Madruga, Raul Caetano e Ronaldo Laranjeira, que terá, em breve, artigo divulgado no Journal of Interpesonal Violence. A publicação aceita tem grande prestígio junto à comunidade científica e acadêmica.

Batizado de “Rape, Child Sexual Abuse and Mental Health in a Brazilian National Sample” (Estupro, abuso sexual infantil e saúde mental em uma amostra nacional brasileira”)o objetivo do artigo foi estimar a prevalência de estupro autorreferido e suas associações com outras formas de violência e desfechos negativos em saúde mental.

Os pesquisadores utilizaram os dados do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD). Trata-se de uma pesquisa domiciliar probabilística que coletou dados de 4.283 brasileiros com 14 anos ou mais de idade em 2012. “Os resulatdos principais demonstram que a prevalência de estupro foi de 2,3% e a maioria das violações foram relatadas por mulheres. Ser mulher aumentou as chances de estupro em 2,7 vezes. Algumas evidências mostraram ainda que as mulheres jovens são mais propensas a serem expostas à violência sexual do que as mais velhas. A própria literatura internacional mostra que as vítimas são desproporcionalmente mulheres, o que reforça nossa convicção de que o estupro é também uma questão de gênero”, afirma Alessandra Diehl.

Além disso, os dados da amostra do Lenad seguem o padrão da literatura científica já conhecida sobre o assunto. Os autorelatos de estupro parecem subestimar a verdadeira prevalência, pois os números obtidos na pesquisa foram baixos. Na opinião da especialista, a investigação do fenômeno do estupro é muito difícil de ser alcançada com precisão devido às dificuldades e complexidades envolvidas na captura dessa ocorrência.

“As vítimas de estupro ainda sofrem uma discriminação muito grande, por conta dos valores da cultura patriarcal embutidos na sociedade brasileira, na qual a mulher ainda é muitas vezes culpabilizada e vista como inferior. Essa desigualdade é histórica e muitas vezes um dos vetores de uma epidemia de violência contra mulher. Os valores são tão invertidos que o estupro contra as mulheres está associado ao comportamento daquelas que usam roupas curtas, por exemplo, como se isso fosse um facilitador, um ato provocador, capaz de justificar esse crime. Por isso, a necessidade urgente da adoção de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero. As relações de poder continuam assimétricas na nossa sociedade. E a mulher ainda é observada como mero receptáculo da libido masculina”, argumenta Alessandra.

Para ela, a inserção da educação sexual nas escolas, como uma disciplina obrigatória, por exemplo, seria uma das formas de ensinar o respeito para os meninos e meninas, incentivando-os a iniciar a vida sexual de forma segura e com responsabilidade. “A informação continua sendo uma ferramenta poderosa, capaz de diminuir a violência sexual, a gravidez na adolescência e as doenças sexualmente transmissíveis”, salienta a psiquiatra.

O impacto do estupro na saúde mental

Os eventos negativos estimulados pelo estupro são imensuráveis: 2 vezes mais chances de ter depressão, 3 vezes mais chances de ideação suicida e 2 vezes mais chances de tentativas de suicídio. ” O estupro atinge um dos aspectos mais valiosos das pessoas: a sua dignidade humana. E isto pode doer por uma vida toda”, alerta Alessandra Diehl.

A pesquisa traz também dados sobre a saúde mental das pessoas estupradas encontrados na literatura estrangeira que se debruça sobre o assunto. National Women’s Study revela que cerca de 30% das vítimas de estupro sofreram pelo menos um episódio depressivo maior em algum momento. Além disso, 21% de todas as vítimas de estupro estavam passando por um episódio depressivo maior no momento da pesquisa. Esse mesmo levantamento considera que  vítimas de estupro foram três vezes mais propensas do que as não-vítimas a ter uma história de depressão maior ao longo da vida e 3,5 vezes mais chances de sofrer uma depressão maior no momento em que o estudo foi realizado, em 2004.

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