Produtor rural não pode ser punido por buscar recuperação judicial, afirma especialista


O alerta é que a decisão do Banco do Brasil de restrição de crédito é ilegal e ameaça direitos dos produtores rurais

A recente decisão do Banco do Brasil (BB) de restringir crédito a produtores rurais que ingressarem com pedidos de recuperação judicial (RJ) tem gerado preocupação no campo e reações de juristas especializados no agronegócio. A medida foi interpretada por advogados como uma tentativa de intimidar produtores que buscam amparo legal diante de dificuldades financeiras.

Segundo o advogado Raphael Condado, especialista em direito do agronegócio, o novo posicionamento do Banco do Brasil “é uma retomada na tentativa de desestimular o produtor a exercer seus direitos”. Ele ressalta que, ao ameaçar negar crédito de forma permanente a quem buscar recuperação judicial, o BB “afronta o Estado Democrático de Direito, aumenta a insegurança no campo e compromete o equilíbrio do agronegócio”.

Os pedidos de recuperação judicial no agronegócio cresceram significativamente nos últimos meses. Segundo dados da Serasa Experian, foram 565 solicitações no segundo trimestre de 2025, um aumento de 31,7% em relação ao mesmo período de 2024. No ano passado, o total chegou a 1.272 pedidos, mais que o dobro do registrado em 2023.

As dez empresas do agro com maiores passivos em recuperação somavam R$ 15,7 bilhões em dívidas até junho de 2025, segundo levantamento do Broadcast Agro. Diante desse cenário, o Banco do Brasil, responsável por mais de 50% do financiamento do setor, vem endurecendo o discurso. Em evento recente, o executivo Felipe Prince, do banco, afirmou que produtores que pedirem recuperação judicial , “não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais”. Para Condado, a fala é incompatível com a função pública e social de um banco estatal.

“O crédito rural existe para fomentar o desenvolvimento do campo, não para ser uma ferramenta de retaliação ou intimidação. A própria Lei do Crédito Rural (Lei 4.829/65) define que o financiamento tem caráter de apoio ao desenvolvimento da atividade rural, e não para ser uma fonte de ganho financeiro do banco”, explica.

A recuperação judicial, prevista na Lei 11.101/2005, é um instrumento legítimo de reorganização econômica, fiscalizado pelo Poder Judiciário, com o objetivo de preservar a atividade produtiva, manter empregos e garantir o cumprimento de compromissos. “O produtor rural é uma empresa a céu aberto, sujeita a riscos climáticos e de mercado. A RJ não é uma armadilha, mas um recurso legal para reorganizar dívidas e continuar produzindo”, complementa.

Direitos que protegem o produtor

Ele ressalta que o produtor rural possui outros mecanismos legais antes de recorrer à recuperação judicial. Entre eles estão o alongamento e prorrogação de dívidas rurais em caso de dificuldades provocadas por fatores adversos, como estiagem, queda de preços ou aumento de custos, e a limitação dos encargos financeiros cobrados pelos bancos.

Esses direitos são garantidos por leis como a Lei da Política Agrícola (Lei 8.171/97) e pela própria Constituição Federal, que reconhece o direito à alimentação como fundamental, associando-o diretamente à produção agrícola. “O crédito some primeiro, e só depois o produtor pensa em pedir recuperação judicial. O que falta hoje é diálogo e acesso real ao financiamento. O banco público precisa ser parceiro, não adversário do produtor. A recuperação judicial deve ser o último recurso, mas jamais pode ser tratada como motivo de punição.” afirma.