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Uma carta de adeus que é um alerta para aqueles que ficam

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Por Alessandra Diehl, psiquiatra 

Os brasileiros, sobretudo a comunidade artística, foi surpreendida com a triste notícia da partida do ator Flávio Migliaccio, de 85 anos. Em tempos de pandemia Covid-19, de uma democracia abalada e de várias cenas grotescas de desumanidade em nosso país, um terreno fértil parece estar se formando para o surgimento dos primeiros efeitos colaterais destes tempos difíceis.

O isolamento social, que é a principal medida para conter o avanço da epidemia, pode em certo grau afetar a todos nós. No entanto, os idosos parecem sofrer mais com o distanciamento familiar. É o afago dos filhos e netos, além do convívio com os amigos, muitas vezes, que sustenta o corpo que padece com o avanço da idade. Para um espírito livre, produtivo e criativo como o de Flávio, envelhecer defintivamente não é nada fácil! Em um corpo com mudanças radicais, são os encontros em humanidade que podem ajudar a manter o equilíbrio mental tão necessário para a saúde mental na terceira idade. O ator, no entanto, relatou estar descrente desta humanidade.

Já o filho do ator Flávio Migliaccio – até o ano passado atuava em novelas televisivas- acredita que a senelidade foi a causa da depressão que tirou a vida do pai. Qual diagnóstico psiquiátrico que de fato tinha o ator, se é que tinha!? Bem, isto não nos pertence avaliar neste momento, e nem é a intenção agora!

Mas é importante sabermos que a depressão é uma das principais causas de anos perdidos por incapacitação segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). É impotante dizer ainda que o número de pessoas com transtornos mentais comuns em todo o mundo está aumentando, particularmente em países de baixa renda, porque a população está crescendo e mais pessoas estão vivendo até a idade em que a depressão ocorre mais comumente.

 A depressão é uma doença grave associada com um nível considerável de morbidade, risco de suicídio e consequências sociais indesejadas. Cerca de 30 a 40% dos deprimidos pensam em se matar e 10 a 15% dos deprimidos cometem suicídio. Considera-se a depressão como uma das causas mais frequentes do suicídio, podendo instalar-se de forma secundária, advinda de várias condições médicas ou dos mais diversos eventos morais. A boa notícia é que suicídios são evitáveis!

Uma das formas de prevenir suicidio é falando sobre ele. Perguntar sobre suicídio não provoca o ato de suicídio. Muitas vezes, reduz a ansiedade e ajuda as pessoas a se sentirem compreendidas. Depressão e pensamentos suicidas precisam ser desmistificada, inclusive, dentro do núcleo familiar, para que não evolua para um quadro mais grave, capaz de ser letal. Apenas 35% das pessoas com depressão são diagnosticadas corretamente e têm um tratamento adequado. Portanto a depressão segue sendo subdiagnosticada e subtratada, tornando-se resistente: uma condição crônica, difícil de ser tratada e um fardo pessoal e financeiro para todos os sistemas de saúde.

Outra forma importante de ajudar a prevenir o suicídio é lembrar do chamado “Efeito Werther” (um personagem de Goethe), já muito estudado e documentado em que a divulgação de suicídios pode incentivar outros casos de suicídio de pessoas que estão depressivas e fragilizadas neste momento. Então, não vamos compartilhar a carta do ator Flávio Migliaccio e nem as cenas das circunstâncias do suicídio que parecem já terem vazados para as redes sociais. Ao contrário, vamos rezar por ele! Vamos emanar nossa luz para ele neste momento! Vamos pensar em seus familiares com carinho! Mas sobretudo, vamos aprender com este adeus inesperado o recado que nos permita a mais profunda reflexão sobre o que de fato queremos enquanto humanidade? Que transformação íntima e pessoal você, eu e todos nós deveríamos estar fazendo?

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