Jogos de tabuleiro, atividades ao ar livre e inserção das crianças nas tarefas domésticas são boas estratégias para manter uma rotina mais analógica
Atualmente é quase impossível fugir dos estímulos de telas, elas estão em casa, nas lojas, nas academias, cabem na palma da mão e te acompanham 24 horas por dia. Se para adultos o impacto do vício em telas pode prejudicar a produtividade, para crianças esse efeito pode ser ainda mais prejudicial. Por isso, reservar momentos com jogos lúdicos, passeios ao ar livre, contato com a natureza e tempo em família são fundamentais para um bom desenvolvimento emocional e cognitivo durante a infância.
A expressão em inglês brain rot, na sua tradução literal, significa “cérebro apodrecido” e faz referência ao risco do uso excessivo da tecnologia, principalmente redes sociais, na capacidade cognitiva. Segundo a especialista em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infantil e professora de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Câmpus Londrina Maria Clara Jaeger Godoy, o uso excessivo em telas durante a primeira fase da vida pode afetar o indivíduo até depois de adulto, já que é na infância que são desenvolvidas as competências socioemocionais como reconhecimento de emoções, atenção e capacidade de interação social. Por isso, é necessário que o círculo familiar da criança fique atento para que as atividades da infância não sejam substituídas exclusivamente pelos aparelhos eletrônicos.
“Uma criança que fica muito tempo em frente às telas, pode desenvolver um comportamento sedentário, por falta de atividades que envolvam movimento. Pode haver impactos para o sono, uma vez que a própria luz emitida pela tela dificulta o adormecer, além da hiper estimulação para o cérebro”, destaca a professora. Além disso, ela destaca que a velocidade do fluxo de informações nas redes sociais pode influenciar no comportamento: “nas redes sociais, os conteúdos são feitos com informações rápidas, objetivas, muito curtas, gerando passagem de um vídeo para outro com muita facilidade. Isso ajuda a construir um padrão de não tolerar o que eu não gosto, o que impacta em irritabilidade e ansiedade”, pontua.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que não sejam oferecidas telas até os 2 anos de idade. A partir daí até os 5 anos, é recomendado até uma hora de tela por dia (tablet, celular, televisão). A partir dos 6 anos, o uso deve se limitar a duas horas por dia.
“É importante considerar que este uso não deve se sobrepor a outras atividades que são importantes para o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança. Por exemplo, ficar duas horas em telas ao final de um dia de aula e deixar de brincar com os colegas não é saudável. Quando o uso de telas impacta também no equilíbrio de outras atividades saudáveis para a criança, podemos considerar isso excessivo”, explica a psicóloga.
Atividades em família
No tempo livre, a psicóloga orienta atividades que envolvam toda a família, como jogos de tabuleiro, além de atividades ao ar livre. “Proporcionar condições de explorar o ambiente é o que podemos fazer de melhor pelas crianças. Correr, pular, se sujar, tudo isso só traz benefícios”, explica.
Para as crianças mais velhas, envolvê-los nas tarefas domésticas também é uma forma de melhor utilizar o tempo livre e construir vínculos familiares. “Preparar uma receita juntos, chamar a criança para participar da escolha do que será feito, da compra dos ingredientes e da preparação da mesa para a refeição são situações que envolvem senso de responsabilidade e auxiliam a criança em diversos aspectos socioemocionais”, complementa, “ela desenvolverá maior autonomia, habilidade de relacionamento e autoconhecimento, ao se perceber dentro de uma estrutura familiar. Além disso, esses momentos se tornam memórias afetivas que podem impactar a vida adulta dessa criança”, finaliza a professora.