“Meu amor, você foi a Londres para fazer turismo pela cidade, não pelos hospitais. Reage! Estamos com saudade.” O apelo da esposa do londrinense Wanderley Barros, de 62 anos (foto), foi publicado no Facebook uma semana antes de o marido se tornar, na madrugada de domingo (12), a vítima brasileira mais recente do novo coronavírus na capital britânica.
Ao lado da irmã, ele havia saído de Londrina (PR) no dia 10 de março para passar férias ao lado do filho e do neto, que vivem em Londres há quase 4 anos. Até aquele dia, o Reino Unido tinha 6 mortes e 382 casos confirmados da doença. Pouco mais de um mês depois, até o fechamento desta reportagem, o país registra 11.329 mortes e 88,6 mil casos.
Dias depois do desembarque, entre passeios em mercados de rua e visitas a pontos turísticos da cidade, Barros e pelo menos outros quatro membros da família de brasileiros começaram a notar sinais comuns da covid-19, como febre, tosse, perda de olfato e paladar.
Na madrugada de 24 de março, dia seguinte à assinatura de um decreto que fechou boa parte do comércio, restringiu reuniões públicas e impôs isolamento em todo o Reino Unido, a família decidiu chamar uma ambulância “por precaução”.
Diferente dos parentes, Barros tinha febre alta, dificuldade de respirar e foi imediatamente internado.
‘Matando meu pai por dentro’
“Em algumas pessoas, o vírus não tem tanta potência. Em outras, é devastador”, diz à BBC News Brasil, emocionado, Wanderley Barros Junior. Ao lado da mãe, ele ficou em Londrina – onde a família reside – para tomar conta da loja de materiais automotivos do pai e teve que acompanhar o caso à distância.
“Meu irmão, minha cunhada, minha tia e meu sobrinho… todos pegaram o vírus. Eles tiveram todos os sintomas, mas conseguiram sair dessa ficando em isolamento dentro de casa. Com o meu pai, não foi a mesma coisa.”
Foram 19 dias nas UTIs de dois dos principais hospitais de Londres. “Ele foi primeiro para o Ealing Hospital, e depois foi para o hospital de Charing Cross, porque a demanda em Ealing estava muito grande”, diz o filho.
Os primeiros sintomas graves da doença foram notados nos pulmões. “Assim que foi internado, ele foi entubado, sedado e ficou no aparelho de respiração. Como não existe medicamento ainda, eles continham como podiam, mas o vírus foi se alastrando. O fígado dele foi parando, o rim foi parando. Ele teve que fazer hemodiálise, filtrar o sangue, que estava muito ácido. O pulmão ficou carregado de líquido e de sangue”, diz.
“Esse vírus foi matando meu pai por dentro.” Barros faria 63 anos na próxima quarta-feira, dia 22. “Eu e ele fazemos aniversário no mesmo dia”, conta Junior.
O empresário paranaense enquadra-se, tecnicamente, no principal grupo de risco da doença, já que tinha o que médicos classificam como “condição de saúde preeexistente”. “Ele tomava medicação para pressão alta, mas era muito ativo. Trabalhava todos os dias, era um cara muito forte”, lembra o filho. “Todo mundo que ficou sabendo falava ‘Ele vai sair dessa, ele é ativo, forte’. Ele não era um senhor parado, cheio de problemas”, diz.
Sem despedida
No início de abril, veio a primeira notícia de um brasileiro morto por coronavírus em Londres, Gessui Tavares de Araújo, de 69 anos, que vivia no Reino Unido desde 2003.
Jornais brasileiros informaram que Araújo trabalhava como carpinteiro, mas que também atuava como chefe de cozinha em uma igreja evangélica local. Houve a suspeita de que ele tivesse sido contaminado ao participar de um culto com dezenas de pessoas, em 7 de março, antes das medidas de isolamento social no país.
O consulado brasileiro em Londres disse à BBC News Brasil que ainda não havia informações consolidadas sobre o número de brasileiros mortos no Reino Unido pelo novo coronavírus.
A situação se repete nas demais representações diplomáticas do Brasil em todo o mundo – elas dependem das informações que chegam por meio de parentes ou entidades não governamentais, como igrejas e associações locais.
Até o momento, segundo o consulado, quatro mortes de brasileiros foram informadas à representação.
Desde o início da pandemia, visitantes estrangeiros, incluindo aqueles que estejam morando de forma irregular no Reino Unido, têm direito a usar o NHS (National Health Service, o sistema público de saúde do país) gratuitamente.
Tanto os testes de coronavírus (mesmo com resultado negativo) quanto o tratamento em hospitais e unidades de emergência estão sendo oferecidos gratuitamente como parte dos esforços em conter o avanço da doença no país.
Segundo o governo, nenhum paciente que dê entrada em hospitais com suspeita ou confirmação da doença passa por verificações de imigração. “Sobre o tratamento, o atendimento, não temos do que nos queixar. Ele foi muito bem tratado enquanto pôde ser atendido”, diz Junior.
Ele não poderá, no entanto, enterrar o próprio pai. “Meu irmão está agora correndo atrás desse trâmite sobre o que fazer agora com o corpo. Ele vai ter que ser cremado em Londres”, lamenta. (Fonte: BBC Brasil)
Foto – Arquivo Pessoal (BBC Brasil)