Para The Economist, Alexandre de Moraes tem poderes “surpreendentemente” amplos

Supremo Tribunal Federal (STF) deve exercer “moderação” se não quiser virar alvo de uma crise de confiança dos brasileiros, diz artigo publicado nesta quarta-feira (16/4) pela revista inglesa The Economist. Para “restaurar sua imagem de imparcialidade”, a corte deveria realizar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de liderar uma suposta trama golpista, no Plenário.

O caso está sendo julgado atualmente pela Primeira Turma, composta por cinco ministros: Cristiano Zanin (presidente), Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia. “Dos cinco, um é ex-advogado pessoal de Lula [Zanin] e outro é seu ex-ministro da Justiça [Dino]. O julgamento, portanto, corre o risco de reforçar a percepção de que o tribunal é guiado tanto pela política quanto pela lei.”

Com fortes críticas ao ministro Alexandre de Moraes, que está exercendo “poderes surpreendentemente amplos, que têm como alvo predominantemente atores de direita”, a revista afirma que “juízes individuais devem evitar emitir decisões monocráticas, especialmente em questões políticas sensíveis”.

No artigo da The Economist, a revista semanal lembra que a democracia brasileira foi alvo de “um duro golpe” nos últimos vinte anos e “grande parte da culpa recai sobre seus políticos corruptos”. “Todos os presidentes desde 2003 foram acusados ​​de violar a lei”, diz o artigo, mencionando o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2015, motivado, segundo a revista, “por fraudar as contas públicas”. Na mesma esteira, o texto afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já foi preso por corrupção (os processos foram posteriormente anulados), e que Bolsonaro em breve será julgado por envolvimento em uma suposta trama golpista que o manteria no poder.

“Mas a democracia brasileira tem outro problema: juízes com poder excessivo. E nenhuma figura personifica isso melhor do que Alexandre de Moraes, que ocupa o cargo no Supremo Tribunal Federal. Seu histórico mostra que o Poder Judiciário precisa ser reduzido.” Estão no centro dessa discussão sobre o poder do ministro as recentes decisões proferidas por Moraes em relação à plataforma X, de Elon Musk.

No ano passado, Moraes determinou o bloqueio do acesso à plataforma no Brasil, decisão que durou mais de um mês, além do congelamento das contas bancárias da Starlink, empresa de internet via satélite de Musk.

O ministro também determinou a remoção de centenas de contas pró-Bolsonaro da plataforma, em decisões monocráticas, ou seja, que não tiveram a participação dos demais ministros da corte. “O sr. Moraes responde às críticas com autoridade. Pressionado no ano passado sobre se o tribunal deveria adotar um código de ética, como a Suprema Corte dos Estados Unidos fez em 2023, o sr. Moraes afirmou que ‘não há a menor necessidade.'”

A revista então defende que, após a conclusão do julgamento de Bolsonaro, o Congresso retome “a tarefa de policiar a liberdade de expressão online do Sr. Moraes”.

Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Um dos problemas da democracia brasileira são ‘juízes com poder excessivo’, diz revista

Na terça-feira, o ministro, em outra decisão monocrática, suspendeu o processo de extradição de um cidadão búlgaro que teria cometido crimes na Espanha em 2022. Em sua decisão, Moraes diz que a Espanha descumpriu o “requisito de reciprocidade” no tratado de extradição que mantém com o Brasil ao negar a extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio. Moraes também pediu explicações ao embaixador da Espanha no Brasil e converteu a prisão preventiva de Vasilev em prisão domiciliar no Brasil, com uso de tornozeleira eletrônica.

‘Crescentes questionamentos’

A revista atribui os poderes e prestígio conquistados pelo Supremo à perda de legitimidade do Executivo e aos “impasses e escândalos” nos quais o Congresso “se viu atolado”. O “comportamento perigoso e antidemocrático de Bolsonaro, tanto no cargo quanto após sua destituição pelos eleitores, deu ao tribunal mais justificativa para usar sua influência em defesa do Estado de Direito”. No texto, é mencionado que o ex-presidente é acusado de ter planejado a morte de Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) antes de assumirem o cargo.

“Essas são acusações graves, e o tribunal deve ponderar as evidências e condenar, se for o caso. O problema é que há crescentes questionamentos sobre o próprio comportamento do tribunal, a qualidade da justiça que ele oferece e a adequação de suas punições.”

A favor da corte também está, segundo a revista, o julgamento do mensalão, em 2012, quando o tribunal se tornou “mais disposto a fazer valer seus poderes”.

Ficou conhecido como mensalão o esquema de corrupção envolvendo o pagamento de propina dos primeiros governos Lula a parlamentares de diversos partidos em troca da aprovação dos projetos do governo. Seu julgamento, realizado pelo Plenário do Supremo, isto é, pelos onze ministros, foi televisionado, colocando a corte sob os holofotes.

Operação Lava Jato, que veio logo em seguida ao mensalão, durando uma década de investigações e prisões de suspeitos de corrupção envolvendo a Petrobras e os governos petistas, também é mencionada no texto, como mais um caso de contradição da corte.

“O tribunal manteve as penas de prisão para dezenas de políticos e empresários considerados culpados de corrupção, mas depois mudou de ideia e anulou as condenações de Lula em 2021 por questões processuais. Em 2023, o presidente do tribunal se gabou de ter “derrotado Bolsonaro”.

O episódio mencionado pela revista envolve o ministro Luís Roberto Barroso. Antes de assumir a presidência do STF, em 2023, Barroso fez um discurso no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Brasília. Na sua fala, o ministro afirmou que havia lutado “contra a ditadura e contra o bolsonarismo”.

“Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”, afirmou o ministro. Na esteira das críticas aos ministros do Supremo, a revista The Economist lembrou que “um único juiz, José Antonio Dias Toffoli, anulou quase todas as provas descobertas durante a Lava Jato e abriu uma investigação duvidosa sobre a Transparência Internacional, um grupo anticorrupção sediado em Berlim”.

E mencionou também o ministro Gilmar Mendes, que “organiza uma reunião chamativa com a presença do tipo de pessoas influentes que costumam ter negócios em pauta”. A reunião mencionada é o Fórum Jurídico que acontece em Lisboa anualmente, organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), de propriedade de Gilmar Mendes.

O evento privado faz até a corte mudar a agenda de julgamentos, recebe convidados da alta esfera política-empresarial e é pouco transparente em relação aos seus custos. Foi na edição do ano passado, inclusive, que Moraes afirmou que não havia necessidade da criação de um código de ética para o Supremo.

‘Ameaça tripla’

A revista pondera, no entanto, que o STF está agindo na legalidade. “Seus poderes advêm da Constituição brasileira, uma das mais longas do mundo, e permite que partidos políticos, sindicatos e muitas outras organizações apresentem casos diretamente ao Supremo Tribunal Federal, em vez de deixá-los passar por tribunais inferiores.”

Na prática, isso significa, segundo a revista, que o Supremo “cria leis sobre questões que seriam decididas por autoridades eleitas em muitos outros países. Um único juiz pode proferir decisões unilateralmente com graves repercussões, conhecidas como “decisões monocráticas”.

O poder da corte suprema brasileira vem de intervenções que ocorrem, por sua vez, “porque as outras instituições brasileiras fazem seu trabalho mal. O Congresso há muito tempo aguarda um projeto de lei que estabeleceria regras claras para a liberdade de expressão online. Em vez disso, surrealmente, está gastando seu tempo ponderando uma legislação que perdoaria aqueles que atacaram prédios do governo após a derrota eleitoral de Bolsonaro.”

Conhecido como “PL das Fake News“, o projeto de lei que visa regular as plataformas digitais no Brasil tramita na Câmara dos Deputados desde 2020 e nunca foi à votação no plenário. Já a lei da anistia, projeto que pode conferir liberdade aos envolvidos na suposta trama golpista, incluindo Bolsonaro, teve seu pedido de urgência protocolado nesta semana.

Se aprovado, o requerimento de urgência deverá acelerar a tramitação do projeto, fazendo com que ele seja posto em votação sem ter que passar por todas as comissões normalmente previstas. Por fim, a revista adverte que há uma “ameaça tripla”.

“Um perigo é que a qualidade da tomada de decisões no Supremo Tribunal Federal se deteriore à medida que sua competência se expande implacavelmente. Em segundo lugar, quanto mais o STF busca administrar a política, mais perde apoio público: apenas 12% das pessoas dizem que ele está fazendo um trabalho “bom” ou “ótimo”, em comparação com 31% em 2022. Em terceiro lugar, esse poder irrestrito aumenta a ameaça de o STF se tornar um instrumento de impulsos iliberais que infringem a liberdade, em vez de apoiá-la.”

A pesquisa mencionada pela The Economist foi realizada pelo PoderData em dezembro do ano passado. “Os brasileiros perderam a fé em dois dos seus três poderes. É essencial evitar uma crise de confiança generalizada no terceiro”, conclui a revista inglesa.

Fonte: BBC Brasil